Com regra da UE, sustentabilidade chega à balança comercial brasileira

Por Ana Luci Grizzi, sócia da EY Brasil para Climate Change and Sustainability Services.

Ana Luci Grizzi é sócia da EY Brasil para Climate Change and Sustainability Services. (Foto: Divulgação)

Depois de décadas de um discurso que desacreditava integralmente o valor da sustentabilidade para o comércio internacional do Brasil, 2023 chegou com o risco real e iminente da imposição de normas de conformidade ambiental na cadeia de valor das nossas relações comerciais com a União Europeia (UE). Após consulta pública, em novembro de 2021, a Comissão Europeia apresentou uma proposta batizada de “Livre de Desmatamento” com o objetivo de não permitir que o mercado europeu consumisse produtos originados em áreas de desmatamento ou de degradação florestal, contribuindo para o combate às mudanças climáticas e perda de biodiversidade. 

Essa proposta não saiu do nada. Sua origem remonta à decisão de 2019 da Comunidade Europeia de elevar a régua com ações para proteger e restaurar as florestas no mundo, tendo sido posteriormente reiterada pelo Green Deal, política pública que direciona o crescimento estratégico da Comunidade Europeia para a transição econômica para baixo carbono. Por lá, o poder público entendeu há tempos que precisaria de uma política de Estado norteadora do desenvolvimento.

Resultado: a proposta seguiu os trâmites legislativos da Comissão Europeia, tendo sido aprovada pelos países-membros em dezembro de 2022 e pelo Parlamento em abril de 2023. Resta agora apenas a chancela do Conselho Europeu, que deve ocorrer em questão de semanas. Com isso, a nova regra entrará em vigor após 20 dias e passará a ter efeitos após 18 meses. Ou seja, o apito de início de jogo deve ocorrer já no fim de 2024, e tapar o sol com a peneira não é mais opção (aliás, nunca deveria ter sido).

O que diz a regra

A nova regra afeta exportadores de:

1) Cacau, café, gado, soja, madeira, carvão, borracha, papel sulfite, óleo de palma e seus derivados;

2) De produtos que tenham sido feitos com uma dessas matérias-primas, como couro e chocolates;

3) Produtos que tenham sido alimentados com uma dessas matérias-primas, como animais cuja ração contenha soja.

Todos eles precisarão:

- Comprovar que não provêm de áreas onde houve desmatamento, inclusive legalmente permitido pelas normas brasileiras, ou de áreas onde houve degradação de florestas, incluindo conversão de florestas primárias ou naturalmente regeneradas em florestas plantadas ou outras áreas florestais, após 31 de dezembro de 2020;

- Comprovar que sua cadeia de produção está em conformidade com as normas de direitos humanos e respeitar os direitos das comunidades indígenas; e

- Emitir declaração de conformidade.

Sim, você leu corretamente. Mesmo desmatamentos legalmente permitidos pelas normas brasileiras estão na lista de impedimentos.

Claro que coibir a circulação e o consumo de produtos originados em áreas desmatadas ou degradadas ilegalmente devem ser ações mandatórias. Se não há demanda, não há crime.

Entretanto, ir além, proibindo a importação de produtos originados em áreas cujo desmatamento ocorreu de forma legal a partir de 2021, é passar do limite do aceitável. (se essa é uma ação inteligente, é outra questão – biodiversidade e serviços ecossistêmicos são o ouro desta era).

Omissão do Brasil

Afinal, onde estavam os setores brasileiros com laços comerciais com a UE durante todo o período de tramitação dessa proposta?

O tamanho da importância que o Brasil deu à proposta, seja iniciativa privada, seja Poder Público, corresponde aos 3% de comentários apresentados pelo país durante a fase de consulta pública da norma, os quais, em sua esmagadora maioria, são de pessoas físicas ou empresas de pequeno porte.

A forma que deverão ocorrer as comprovações e o modelo de due diligence socioambiental a ser implementado serão descobertos nas cenas dos próximos capítulos, pois isso ainda não foi detalhado.

Mas o fato é que sem lição de casa feita, ou seja, sem rastreabilidade comprobatória de conformidade ambiental e social, é muito provável que enfrentemos novas certificações custosas e com metodologias desconectadas da realidade brasileira.

Como se não bastasse isso, haja vista nossa má reputação ambiental e social perante o mercado mundial, provavelmente o Brasil será classificado como país de alto risco.

Se isso acontecer, nossas exportações deverão passar pelo mais alto nível de checagem de conformidade, incluindo análises de coordenadas geográficas, de imagens de satélites e de DNA para confirmação de origem.

Como o descumprimento de regras na UE costuma ter respostas à altura, os importadores estarão sujeitos a penalidades dotadas de caráter pedagógico. Ou seja, os valores das multas tendem a ser significativos e proporcionais ao volume anual total comercializado.

Desafios na prática

Somos um país de dimensões continentais com cadeias de valor compostas por inúmeros micro e pequenos empreendedores espalhados por nosso vasto território. Não temos banco público de dados que possa subsidiar, qualificar e conferir integridade à rastreabilidade das cadeias de valor brasileiras.

Temos um enorme desafio pela frente, com tempo exíguo para superá-lo. Precisamos agir imediatamente de forma colaborativa, como país, com nossas lideranças, e como setor privado, para assegurar o mínimo equilíbrio de nossa balança comercial.

O comércio internacional mudou. A lição será dura, mas devemos aprender com ela a valorizar o capital natural que ainda temos disponível em quantidade e qualidade por aqui. Essa é nossa vantagem comparativa, que só depende de decisões coerentes para se transformar em vantagem competitiva e gerar valor para nosso país.

*Este artigo foi publicado inicialmente no Capital Reset.