Luciano Bravo: captação de recursos financeiros vindos de investidores internacionais são saída para empresas devedoras

Após crise da Americanas, setor vive momento de desafios passando pelo acesso ao crédito, além da confiança no mercado de capitais e do consumidor.

Luciano Bravo, CEO da Inteligência Comercial e country manager da Savel Capital Partners. (Foto: Divulgação)


A recuperação judicial das Americanas causou instabilidade no mercado financeiro, e a avaliação de especialistas, é que, embora seja desafiador, o restabelecimento da empresa é possível, no entanto, isso pode custar caro às redes varejistas brasileiras. Uma das questões que devem sofrer com o revés é o acesso ao crédito.

“O crédito está totalmente ligado à credibilidade, que está abalada no setor. Com a desconfiança em relação aos balanços financeiros das empresas, fica em jogo a capacidade financeira, patrimonial e de liquidez das companhias, o que interrompe o crédito via bancos-modalidade mais tradicional”, afirma Eduardo Dotta, professor de direito do mercado financeiro e de capitais do Insper.

Outra tendência é que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deve “fechar o cerco” em relação às auditorias contábeis, o que pode gerar ainda mais pressão neste segmento do mercado. Reflexo de uma investigação do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União (TCU), que analisam eventual responsabilidade da CVM na omissão de fiscalização das contas da Americanas.

“Além do impacto no mercado como um todo, essa investigação, pedida pelo TCU, pode pressionar a CVM sobre uma eventual responsabilidade, o que poderá dificultar ainda mais o acesso ao mercado de crédito, já tão difícil no Brasil”, avalia Luciano Bravo, CEO da Inteligência Comercial e country manager da Savel Capital Partners.

O especialista avalia uma possível saída das empresas diante deste cenário, que é a captação de recursos financeiros vindos de investidores internacionais. Conhecido como ACI (Aporte de Capital Internacional), o procedimento, conforme afirma Bravo, ainda não é muito conhecido entre os empresários brasileiros, porém, se apresenta como alternativa de crédito neste momento. Diante disso, o professor de direito do Insper pondera que: “o investidor estrangeiro, mesmo com apetite ao risco, vai ser mais exigente também. A vantagem é que o Brasil é um país ‘barato’ para quem investe”, diz Dotta.

Em meio a uma sociedade consumista, o varejo segue sendo essencialmesmo com os impactos de uma economia fragilizada. Neste cenário, Dota aponta alguns rumos oportunos aos representantes do segmento. “Com players tradicionais mais enfraquecidos, os varejistas de e-commerce, como Amazon e Mercado Livre, que possuem custos operacionais menores, podem ganhar ainda mais espaço”.

O efeito desta crise, no entanto, vai além da queda de credibilidade do mercado de capitais, repercutindo também no psicológico do consumidor, como afirma o professor do Insper. “O consumidor está tomando mais cautela. Ele começa a ter dúvida se o produto que ele quer comprar realmente será entregue. A dúvida pode não ser totalmente racional, mas se trata de um momento delicado para as varejistas tradicionais. O consumidor dispõe de fontes de pesquisa de integridade, como é o caso do Reclame Aqui, e está muito mais atento”, diz Dotta.

Um olhar pessimista

Há quem não tenha tanto otimismo em relação ao segmento no país, como é o caso do bilionário e megainvestidor Luiz Barsi. Em junho do ano passado, o executivo alertava que “as empresas de varejo, pelo menos umas 40, quebraram. E as próximas quebrarão”.

Em seu comentário, ele estava se referindo especificamente ao segmento varejista que comercializa eletroeletrônicos, caso da Americanas, e eletrodomésticos (fogão, geladeira e lavadoras, entre outros), sendo nesse segmento Via (dona das Casas Bahia e Ponto), Magazine Luiza e Máquina de Vendas - as principais protagonistas. A opinião de Barsi se baseia no fato de o setor possuir margens apertadas e forte concorrência, além de ser intensamente impactado pela inflação, um problema recorrente no país.

A realidade também não está em seu melhor momento. As vendas do varejo seguem tendência de declínio no período de janeiro a março deste ano, segundo duas classificações do setor: a de varejo ampliado e do restrito, de acordo com previsões da FIA Business School e do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo (Ibevar). Entre os motivos, está a inadimplência dos consumidores, que ficou em fevereiro em 5,92% (média estimada), alta de 0,06 ponto porcentual na comparação com janeiro deste ano.

Como fica a agenda ESG?

Millennials e geração Z impulsionam crescimento da nova economia no mundo -  EstadãoPedro Paro, CEO e fundador da Humanizadas (Foto: Divulgação)


A crise na Americanas surpreendeu especialistas em ESG pelo fato da rede fazer parte dos principais índices referentes às práticas no país. Listada no novo mercado, faz parte do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) e do Dow Jones Sustainability Index (DJSI), que reconhece as melhores ações de sustentabilidade das empresas cotadas na bolsa de valores.

“Os grandes problemas que afetam a imagem de empresas no mercado, na verdade, são consequência de uma série de microproblemas que se acumularam e não foram resolvidos há anos. Isso, no ambiente corporativo, é o reflexo de uma cultura que opera sob baixos índices de transparência, confiança e segurança psicológica. E um dia, vem alguém de fora, decide levantar o tapete, e descobre um problema gigantesco”, afirma Pedro Paro, CEO e fundador da Humanizadas, empresa de avaliação multistakeholder em ESG com uso de inteligência de dados.

O Pacto Global da ONU, em sua seção brasileira, incentiva práticas sustentáveis no mundo empresarial e, já em meados do ano passado, mirava em avanços mais concretos no Brasil. Por essa razão, foi lançado o programa Ambição 2030, destinado a empresas em bolsa ou não, com objetivo de implementar ações relacionadas ao desenvolvimento sustentável. Entre as metas, estão medidas anticorrupção e transparência, equidade de gênero, de raça, saúde mental, dignidade salarial e acesso à água.

Turbulência: relembre o caso americanas

Em 11 de janeiro, a Americanas publicou fato relevante anunciando “inconsistências contábeis” no valor de R$ 20 bilhões, atualizado depois para uma dívida que ultrapassa a marca de R$ 40 bilhões. Na sequência, o CEO Sergio Rial, que estava na empresa há nove dias, renunciou. Em apenas um dia, o valor de mercado da varejista despencou de R$ 10,83 bilhões para R$ 2,51 bilhões. A ação da companhia chegou a valer R$ 1, nível que a aproximou das “penny stocks”, as ações que são negociadas por centavos contexto que fez a varejista pedir recuperação judicial.

Quem veio no embalo

Logo depois do anúncio do rombo da Americanas, a varejista de moda feminina Marisa, também informou ao mercado a renúncia de seu presidente-executivo e a intenção de contratar uma assessoria para renegociar a dívida de R$ 566 milhões.Mas a dificuldade de honrar débitos não ficou restrita ao varejo. No início de março, a Oi fez seu segundo pedido de recuperação judicial e declarou dívida de R$ 43,7 bilhões. Vale lembrar que a operadora havia acabado de concluir seu primeiro processo de recuperação judicial no final do ano passado.