Análise de Claudio Conceição: a variante Delta pelo mundo

Considerada mais contagiosa, esta nova variante traz incertezas nos quesitos saúde pública e aspectos econômicos. Confira este detalhamento com índices globais.

Depois de ver pessoas próximas serem vacinadas – minhas filhas, amigos e a intenção de se começar a imunizar adolescentes a partir do mês que vem e, quem sabe, ter todos os adultos vacinados, pelo menos com uma dose, até o final de outubro –, cresceram as esperanças de que caminhamos para ter, no mínimo, uma vida mais normal dentro em breve.

Mas as notícias que começaram a se avolumar essa semana voltam a nos assombrar e gerar mais incerteza com a ameaça de um novo surto da COVID-19. A variante Delta, oriunda da Índia, que já está presente em mais de 120 países, começa a elevar o número de contágios mundo afora, especialmente na Ásia. Segundo o site Worldometer, a média móvel de novos casos no planeta aumentou 45% no espaço de um mês, pulando de 359.796 para 521.485 entre 21 de junho e 21 de julho.

Esse crescimento, felizmente, não está sendo acompanhado pelo número de óbitos, que vem apresentando tendência de queda, recuando 6% nesse período, com 7.913 mortes ante as 8.419 no mês anterior.

Com a propagação do vírus, esta semana as bolsas mundiais despencaram e o dólar disparou com a incerteza gerada pela nova cepa e seus possíveis impactos sobre a atividade econômica. O temor é de revisão para baixo do crescimento econômico na região asiática e a proliferação mais intensa da variante Delta.


Aumentam as contaminações no mundo
(média móvel últimos sete dias)

Fonte: Worldometer.

 

Mas as mortes caem
(média móvel últimos sete dias)


Fonte: Worldometer.

 

Mas ainda há muita incerteza sobre os reais efeitos dessa nova cepa. Sabe-se que ela é muito mais contagiosa, de fácil propagação. Alguns estudos sinalizam que quem já tiver tomado duas doses da vacina tem maior proteção, mas não se sabe a real eficácia dos imunizantes ante esse novo inimigo.

O que sempre é uma preocupação a mais. Um dos motivos que têm ajudado a expansão acelerada da nova variante é a forte resistência de milhões de pessoas em não se vacinar, além do relaxamento das medidas sanitárias. Nos Estados Unidos, onde os casos voltaram a subir – 83% dos novos casos são oriundos da variante Delta –, ainda que em velocidade menor, mais de um terço da população é contra dar o braço para receber o imunizante. Pelo menos 48% dos norte-americanos tomaram as duas doses da vacina, e os casos de contaminação por lá são, em sua esmagadora maioria, de pessoas que ainda não se vacinaram.

O mesmo ocorre na França e em outros lugares do mundo. Por aqui, depois de uma resistência que chegou a ter 23% de pessoas afirmando que não iriam de vacinar, esse percentual caiu para 5%. Hoje, 93% dos brasileiros querem receber a vacina, segundo pesquisa recente do Datafolha. Dois por cento não souberam ou não quiseram responder.

Outro ponto que está engordando as estatísticas de novos casos é o ainda lento processo de vacinação. Segundo o site Our World in Data, somente 26,6% da população mundial recebeu uma dose da vacina e 13,2% as duas doses. E o mais grave: nos países pobres, apenas 1,1% da população foi vacinada. O que é um prato cheio para a propagação do vírus, já que só com uma grande fatia da população mundial imunizada é que o vírus poderá ser controlado, como dizem os especialistas.

A grande disparidade na vacinação pelo mundo é preocupante. Países mais pobres, sem recursos para a compra de vacinas ou acesso a esse mercado controlado pelas nações mais ricas e, em menor escala, em desenvolvimento, poderão ser expostos a uma onda de contaminações e mortes como observamos quando a pandemia surgiu nos países mais ricos, se alastrando pelo mundo.

 

A disparidade da vacinação no mundo
(doses aplicadas na população)

 

Fonte: Our World in Data.

Embora ainda seja muito cedo para se tirar conclusões ou fazer prognósticos mais consistentes, dada a falta de informações científicas sobre o real poder dessa nova cepa em termos de letalidade – já se sabe que ela é altamente contagiosa –, as frias estatísticas apontam para aumentos significativos de novos casos em vários países. Não só nos mais pobres, mas também nos que galgaram posições entre as grandes potências.

A velocidade com que a nova cepa vem se disseminando nos países asiáticos, quer estejam entre os ricos ou pobres, já tem levado a uma revisão de crescimento da economia na região. Em Cingapura, onde 96,7% dos novos casos são provenientes da variante Delta, foram impostas novas restrições à circulação: restaurantes não poderão mais atender clientes à noite e as reuniões em grupos, até então restritas a cinco pessoas, passam a ser de duas até 18 de agosto.

O crescimento projetado do PIB de 7% este ano já está sendo revisto para baixo, embora haja expectativa de reversão desse quadro já que que 75% da população de Cingapura poderá estar vacina até o começo da segunda semana de agosto. Tailândia, Indonésia, Bangladesh, Malásia, Coréia do Sul e Austrália são exemplos da forte aceleração do número de novos casos da COVID-19 na região.

 

Participação da variante delta nos novos casos de Covid-19
(Países selecionados)

Fonte: Our World in Data (dados acessados em 20/07/21). Publicado no site G1.

Dentre os países mais pobres e desiguais da região, a Indonésia, com a quarta maior população do mundo e a maior de maioria muçulmana, que não havia apresentado nenhum quadro agudo ao longo da pandemia do coronavírus, passou a conviver com um forte avanço de novos casos e mortes. A média móvel de sete dias encerrada em 21 de julho apontava para mais de 44.826 novos casos e 1.196 óbitos, quando em 21 de junho esses números eram de 12.128 e 263, respectivamente.

Na Indonésia, apenas 10,96% da população de 276,5 milhões de pessoas havia sido vacinada até o último dia 20: 7,90% com a primeira dose e 3,06% com as duas doses da vacina. Como o país ainda não havia sido afetado duramente pela pandemia, os óbitos estão na faixa de 77,5 mil, números que podem ser engrossados, já que 94% dos novos casos registrados são provenientes da nova variante do coronavírus. E bom ressaltar que, em relação à sua população, o número de óbitos na Indonésia é ainda bastante baixo: 286 por milhão de habitantes.

Mais que triplicam os casos na Indonésia
(média móvel dos últimos sete dias)

Fonte: Worldometer.

E as mortes disparam
(média móvel últimos sete dias)

Fonte: Worldometer.

Bangladesh é outro exemplo que pode ser mencionado, dentre os países pobres da região, já que 92% dos casos que vem sendo registrados recentemente por lá são da variante Delta. A média móvel de sete dias de novos casos bateu na casa dos 10.995 no último dia 21, ante os 3.761 de 21 de junho, com os óbitos subindo de 65 para 206. Com mais de 166 milhões de habitantes, somente 3,54% da população havia sido vacinada até o dia 13 de julho, último dado disponível no site Our World in Data: 0,94% com a primeira dose e 2,60% com duas. Como na Indonésia, em relação a sua população, as mortes informadas oficialmente em Bangladesh ainda são baixas em relação à população: 112 por milhão de habitantes.

Novos casos dão um salto em Bangladesh
(média móvel últimos sete dias)

Fonte: Worldometer.

E as mortes avançam
(média móvel últimos sete dias)

Fonte: Worldometer.

No Brasil, já foram registrados mais de 120 casos da variante Delta. Desse total, quase 70% foram detectados no Rio de Janeiro, cidade turística que é uma porta aberta para a entrada do vírus, desde que medidas de controle mais rígido não forem adotadas.

******

Estudo recente desenvolvido por Arvind Subramanian, ex-conselheiro do governo indiano, em parceria com dois pesquisadores do Centro para o Desenvolvimento Global e da Universidade de Harvard, mostrou que o número de mortes na Índia, devido à Covid-19, tinha sido de 3 milhões a 4,7 milhões de pessoas entre janeiro de 2020 e junho de 2021. Pelos dados oficiais, os óbitos no país pelo coronavírus estariam na casa dos 420 mil, o terceiro maior do mundo, atrás dos Estados Unidos e do Brasil. Os três países, pelos dados oficiais, concentram 38,3% dos óbitos até agora: EUA: 15%; Brasil:13,2% e Índia:10,1%.

 

(Fonte: IBRE FGV)