Inovação: não há outro caminho para o Brasil alcançar a trilha do desenvolvimento sustentável

Ex-presidente do CNPq, Evaldo Vilela, alerta que o descontingenciamento dos recursos do FNDTC e parcerias entre a academia e a indústria são fundamentais para o Brasil entrar na era da economia do conhecimento.

Inovação: não há outro caminho para o Brasil alcançar a trilha do desenvolvimento sustentável
O cientista Evaldo Vilela, que deixou recentemente a presidência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. (Foto: Reprodução / Agência CNI)


Especialista em inovação, o cientista Evaldo Vilela, que deixou recentemente a presidência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) alerta que o aumento de investimentos em ciência, tecnologia e inovação (CT&I) é fundamental para o Brasil crescer de forma consistente e sustentável, gerando empregos de qualidade e renda para a população. Vilela ressalta a importância da parceria universidade-indústria para as pesquisas e critica os contingenciamentos feitos nos últimos anos da principal fonte de investimentos em inovação do país, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). 

“A aproximação entre indústria, academia e governos é a base da economia do conhecimento, que tem capacidade de gerar renda, riquezas e novos empregos. Não há outro caminho para se alcançar o desenvolvimento sustentável nos dias de hoje”, afirma o cientista.

Confira, a seguir, a entrevista:

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - O senhor é um dos grandes entusiastas da união universidade-empresa para o desenvolvimento da inovação. Como está esse processo no Brasil?

EVALDO VILELA - A interação universidade-empresa está crescendo no Brasil, fruto do amadurecimento dos grupos de pesquisa, que são capazes, mais multidisciplinares e competentes em oferecer contribuições para soluções inovadoras para as empresas. Por outro lado, empresas, necessitando ampliar sua competividade, têm se aproximado cada vez mais de grupos de pesquisa, em áreas como nanotecnologia, biotecnologia, digital e outras aplicadas à saúde, agricultura, engenharias, materiais e muitas outras.

Estamos cada vez mais no passo do desenvolvimento, onde a universidade precisa das empresas para dar relevância às suas pesquisas chegando até o mercado. E empresas precisam da universidade para se valer dos novos conhecimentos científicos e das novas descobertas tecnológicas. 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - Qual a importância das ações de aproximação da indústria, com a academia e o poder público? 

EVALDO VILELA - A aproximação entre indústria, academia e governos é a base da economia do conhecimento, que tem capacidade de gerar renda, riquezas e novos empregos. Não há outro caminho para se alcançar o desenvolvimento sustentável nos dias de hoje.

A academia, na grande maioria universidades e institutos mantidos pelo poder público, gera os conhecimentos úteis para a indústria inovar, gerar novos produtores competitivos no mercado e o governo cria leis e normas que facilitam a interação público-privado. Esta interação academia-indústria-governos ainda é fraca no Brasil, apesar de existirem muitos casos bem-sucedidos, que muito nos lembra que sabemos fazer girar esta hélice tríplice, o que muito nos orgulha, mas que ainda é pobre no Brasil, razão pela qual o índice de inovação do país é um dos piores do mundo.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - Os investimentos em inovação vêm caindo a cada ano no país. Como reverter esse cenário?

EVALDO VILELA - Investimentos seguem metas e desejos de melhorar de vida. Os investimentos em CT&I e em educação não crescem, e se crescem não são bem geridos, porque não sabemos o que queremos ser em 2030 ou 2050.

Infelizmente, nossos desejos individuais de construir um país mais justo, mais inclusivo, não se transformaram ainda no Brasil em uma causa comum, num desejo coletivo único. Não temos foco em ser um país inovador.

Não é como na Coreia do Sul, por exemplo, que na década de 1970 decidiu o que queria ser. De certa maneira, também o Estado de São Paulo investiu de verdade para se tornar uma economia forte. Investiu em infraestrutura para atrair indústrias, criou a USP, Unicamp e Unesp, com investimentos sem interrupções para criar talentos e ambiente científico, com a Fapesp para gerar conhecimento com base na pesquisa.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - O investimento público é essencial para as pesquisas, que são a base para o fortalecimento da ciência, tecnologia e inovação em um país?

EVALDO VILELA - O investimento público, em todo o mundo, mantém viva a pesquisa básica, aquela que faz as novas descobertas, os novos conhecimentos sobre como funciona a natureza. Por exemplo, o conhecimento de como um dado vírus mata uma célula humana. Ou como funcionam os átomos, descoberta que pode no futuro ser a base para modernos equipamentos. O investimento do governo deve também financiar o risco chamado tecnológico, ou seja aquele advindo do desenvolvimento da tecnologia. O empresário corre o risco de mercado, ou seja, o risco da nova tecnologia não vender, não dar certo no mercado.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - Como o senhor vê os constantes contingenciamentos de recursos do FNDTC e o que espera do governo do presidente Lula em relação aos investimentos em CT&I? 

EVALDO VILELA - O FNDCT jamais poderia ser contingenciado, pois ele foi criado para desenvolver o país. E desenvolvimento é o que mais precisamos para gerar renda, riquezas e empregos. Cortar o recurso do FNDCT é cortar o futuro, que já chegou, mas que precisamos capturá-lo, com investimentos significantes em CT&I e em educação. 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - O senhor falou em recente reunião da CNI que é urgente a criação de mecanismos para pularmos o ‘vale da morte’ que separa o conhecimento gerado no país do processo de eficiência na produção e da competitividade dos negócios brasileiros. Quais são esses mecanismos essenciais? 

EVALDO VILELA - Na interação universidade-empresa, denomina-se “vale da morte” o momento do transbordamento do conhecimento resultado da pesquisa para ser apropriado pela empresa. Há um vale a ser transposto entre a universidade e a empresa, que são dois mundos distintos, com linguagens e interesses próprios que, sem mecanismos e procedimentos que favoreçam o entendimento, não conseguem interagir natural e eficientemente. Somente políticas públicas bem conduzidas com incentivos adequados podem possibilitar saltarem o vale em direção a produtos, processos e serviços inovadores!   

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - O senhor esteve por mais de 2 anos e meio à frente do CNPq. De que forma o CNPq tem contribuído para o fortalecimento da pesquisa e inovação?

EVALDO VILELA - O CNPq contribui financiando principalmente a pesquisa básica, por meio da qual o país gera novos conhecimentos que alimentam o desenvolvimento de inovações. Ainda apoia a pesquisa aplicada ao desenvolvimento tecnológico da indústria brasileira, que assim consegue produtos mais competitivos.

O CNPq contribui também para capacitar jovens pesquisadores, verdadeiros talentos, que irão desenvolver a ciência brasileira nas mais diferentes áreas do conhecimento humano. O CNPq, assim, é estratégico para o desenvolvimento social e econômico do Brasil, produzindo novos conhecimentos, que geram relevantes publicações nacionais e internacionais, abastassem o ecossistema nacional com pessoas capazes para a pesquisa cientifica e tecnológica e o aproveitamento de seus resultados em prol do desenvolvimento do país.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - Quais as suas perspectivas para a área de CT&I em 2023 e quais as prioridades o senhor considera fundamental que o novo governo encampe?

EVALDO VILELA - São excelentes as perspectivas para a CT&I em 2023, tendo em vista que já aprendemos que as nações ou regiões do mundo que se desenvolveram ou estão se desenvolvendo, propiciando qualidade de vida para sua gente, investiram fortemente em CT&I.

Não há outro caminho para o desenvolvimento capaz de gerar renda e novos empregos. É a chamada Economia do Conhecimento, que tem tudo para ser implementada no Brasil. Temos uma Ciência robusta, temos jovens talentos, temos startups, temos empresários empreendedores, temos um enorme mercado consumidor e muitas outras fortalezas. A fragilidade é não termos rumo como País. Aonde queremos chegar? Em 2040 onde estaremos? Vamos trabalhar com que desejo de construir? Construir de tudo e qualquer coisa? Não é assim que fizeram e fazem as nações que almejam qualidade de vida para seu povo.

Os EUA, para realizar o desejo de ir à Lua, investiram em CT&I e em educação e deram rumo aos negócios com base em conhecimento, incentivando o empreendedorismo de base tecnológica. A prioridade do novo governo deve ser um Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável baseado em conhecimento.

Fonte: Da Agência de Notícias da Indústria

Foto de Capa: Divulgação