Startups: Por que elas merecem atenção especial?

O Marco Legal das Startups é o início de um olhar legal para empresas que desenvolvem importante papel na economia nacional.

Fernando Gentil Fernando Gentil, sócio fundador do GVBG - Gentil Monteiro, Vicentini, Beringhs e Advogados. (Foto: Divulgação)

Na última década, a palavra startup foi gradativamente sendo mais utilizada pelo mercado e absorvida pelo senso comum. Atualmente, não é raro encontrar diversas notícias acerca de empresas identificadas como startups e seus resultados surpreendentes.

Contudo, conceituar o que é uma startup não é uma tarefa tão simples, conforme aponta Fernando Gentil, sócio fundador do GVBG - Gentil Monteiro, Vicentini, Beringhs e Advogados. “A definição de uma startup não é tarefa das mais fáceis. Há quem defenda que a startup está relacionada a um estágio (mais inicial) do desenvolvimento de uma organização empresarial; ao passo que há quem enxergue a startup como um modelo de negócio em si. Particularmente, gosto bastante do conceito constante no caderno do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) sobre Governança Corporativa para Startups e Scale-ups que informa que “Startup é uma organização escalável, de alto potencial econômico e inovadora (não necessariamente ligada à tecnologia)””.

Alessandra Salgado, advogada do BRGC - Barbosa, Raimundo, Gontijo e Câmara Advogados, especialista em Direito Societário e Fusões e Aquisições, também pontua que a definição de startup vai muito além do conhecimento popular. “As pessoas normalmente relacionam startup a uma sociedade recém-constituída, mas o conceito vai muito além disso. Do ponto de vista jurídico, a startup é de fato uma sociedade que tem pouco tempo que foi constituída, mas o mais importante é que ela possua um modelo de negócios inovador, repetível, escalável e que funcione em condições de incerteza”.

Administrar uma startup é trabalhar com a incerteza

Ambas as definições apresentadas pelos especialistas em Direito Societário associam startups à inovação. Ao oferecer um produto novo no mercado, existe a vantagem de atender um público consumidor totalmente inexplorado, já que não há concorrentes para essa oferta. Em contrapartida, o risco também é elevado, dado que nem sempre é possível mensurar a receptividade do consumidor ao novo produto ou serviço. Assim, as startups operam com alto grau de risco e, consequentemente, buscam alto retorno para compensar essa exposição.

Grandes economias mundiais foram alavancadas por meio da inovação. Empresas notavelmente conhecidas, como Microsoft e Apple, ofereceram produtos que até sua aparição não tinham mercado consumidor e tampouco eram vistos como necessários. Hoje, vendem artigos tidos como essenciais por grande parte da população. Isso demonstra que a absorção de elevado risco é inerente à busca de resultados de grande impacto.

O Marco Legal das Startups

Diante deste cenário de incertezas, foi redigida a Lei Complementar Nº 182, de 1º de junho de 2021, mais conhecida como Marco Legal das Startups, que entrará em vigor no dia 31 de agosto. Com objetivo de criar diversos mecanismos para viabilizar a operação de empresas de inovação “o Marco Legal veio em excelente hora, na medida em que traz medidas de fomento ao empreendedorismo e implementa regras para os investimentos em startups, trazendo uma regulamentação mínima para um tipo de negócio que em regra era desregulado e seguia as normas societárias vigentes, que, na prática, não foram criadas para este tipo de sociedade”, comenta Alessandra. Para ela, “o fomento dos investimentos em startups não só impulsiona a economia como também reconhece a importância do empreendedorismo inovador para o desenvolvimento econômico e social e para a modernização do ambiente de negócios brasileiro”.

Alessandra Salgado
Alessandra Salgado, advogada do BRGC - Barbosa, Raimundo, Gontijo e Câmara Advogados. (Foto: Divulgação)

As principais mudanças trazidas pela nova Lei

A Lei Complementar trouxe diversos mecanismos de incentivo e facilitação para a operação das startups, tendo alguns pontos de destaque como:

- Contrações pela Administração Pública: Surge a possibilidade de as startups participarem de programa de ambiente regulatório experimental – o tão falado sandbox regulatório, de órgãos e entidades da administração pública – para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar tecnologias experimentais. Adicionalmente, foram definidas regras específicas para que a Administração Pública possa realizar licitações para contratação de forma isolada ou em forma de consórcio para desenvolvimento e/ou implementação de soluções inovadoras, mediante a observância das regras estabelecidas nos artigos 13 e seguintes da lei complementar, que resultará na celebração do CPSI – Contrato Público para Solução Inovadora, cujos termos e condições também estão definidos na lei complementar. “Após o término do CPSI haverá, ainda, a possibilidade de a Administração Pública poder contratar, sem necessidade de nova licitação, contrato para o fornecimento do produto, processo ou solução resultante do CPSI, garantindo à startup um contrato de até 48 meses”, explica a especialista do BRGC Advogados

- Captação de Recursos: Alessandra pontua que “a Lei Complementar define de forma ampla e genérica as possibilidades de investimento, mas mais importante que isso, lista no artigo 5º uma série de modalidades admitidas para a captação de recursos pelas startups que não resultam em participação no capital social imediata para o investidor”. Dentre elas, Alessandra destaca o contrato de opção de subscrição de ações (similar ao Safe Agreement, celebrado no exterior), o contrato de mútuo conversível em participação societária (semelhante ao convertible note, amplamente usado no exterior) e a constituição de sociedade em conta de participação (SCP), modelagem que temos visto com mais frequência desde a promulgação da lei complementar e a emissão de debêntures, que são títulos de dívida que anteriormente eram típicos de uma sociedade anônima e agora poderão ser uma opção para sociedades empresárias com estruturas mais simples. “Além disso, a lei define que o investidor optar pelo formato de aporte descrito no artigo 5º fica isento de responsabilidade por qualquer dívida da empresa, inclusive em caso de recuperação judicial, o que traz uma segurança ao investidor que deseja fomentar este tipo de negócio”, complementa a advogada.

- Mudanças na Lei das Sociedades Anônimas: Dentre as mudanças promovidas na Lei das S/A, Fernando Gentil destaca duas que, ao seu ver, trarão importantes facilidades e economias aos empresários. A primeira delas, no art. 143, diz respeito à redução no número de diretores exigidos em uma sociedade anônima, passando de dois para um único diretor. "Dessa forma, a LC 182/21 aproxima ainda mais as normas relativas às sociedades limitadas (reguladas pelo Código Civil) àqueles atinentes às sociedades anônimas. “Vale mencionar que essa alteração vale para todas as sociedades anônimas, abertas ou fechadas, e não tem qualquer relação à atividade ou faturamento da empresa (ou seja, não está ligada apenas à inovação e às startups)”, afirma o advogado.
A segunda alteração a ser destacada foi a modificação do art. 294, que passou a autorizar as companhias com receita bruta anual de até R$ 78 milhões a (i) realizar suas publicações de forma exclusivamente eletrônica (não mais havendo a necessidade de publicações em órgão oficial da união ou estados e em jornal de grande circulação), e (ii) substituir os livros societários (a exemplo do livro de registro de ações, livro de transferência de ações, livros de atas de assembleias de acionistas) por registros mecanizados ou eletrônicos. “Essas modificações simplificaram sobremaneira os procedimentos a serem observados nas sociedades anônimas e consequentemente terão o condão de reduzir gastos de maneira significativa nessas companhias”, explica Gentil.

A importância de uma boa legislação para as empresas

O Marco Legal das Startups é o início de um olhar legal para essas empresas, que possuem papel importante para nosso mercado. Para Fernando Gentil, apesar das melhorias promovidas pela Lei Complementar, o sistema legal e judiciário ainda carece de melhorias.

“O Marco Legal das Startups busca trazer maior segurança jurídica aos investidores das startups e àqueles com quem as startups contratam. É um reforço ao grito de liberdade tão necessário e importante à iniciativa privada inicialmente dado pela Lei de Liberdade Econômica. Mais importante do que termos uma legislação própria, seria termos leis melhores e que conferissem maior segurança e incentivo ao investimento na área de inovação”, afirma. Neste contexto, Gentil defende que tão importante quanto à existência de boas normas, é necessária uma melhor aplicação da legislação já existente – o que, para ele, não tem ocorrido no âmbito do judiciário.

“Entendo ser um triste reconhecimento da má qualidade da aplicação da norma pelo judiciário brasileiro a necessidade de ter que existir, por exemplo, disposição legal informando que aquele que não detém título e qualidade de sócio (a exemplo de um investidor que celebra um contrato de mútuo conversível ou que subscreve debêntures conversíveis) não está sujeito as mesmas responsabilidades de sócios (pois sócio não é) e, portanto, não responde por dívidas da empresa,” finaliza o especialista do GVBG Advogados.

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