Renda com a exportação agrícola impulsionou a alfabetização no Brasil

De 1872 a 1960, alta nos preços globais de commodities relacionou-se a menor analfabetismo no país.

"Café", quadro do pintor brasileiro Cândido Portinari, de 1935, Retrata homens e mulheres trabalhando numa plantação de café numa época em que esse produto era o carro-chefe da economia brasileira"Café", quadro do pintor Cândido Portinari, de 1935 (Foto: Reprodução)


Entre o final do século XIX e meados do XX, as localidades mais beneficiadas pela alta no preço dos principais bens agrícolas exportados pelo Brasil apresentaram menor analfabetismo. Essa relação, mais intensa antes da abolição da escravidão e da fundação da República, operacionalizou-se pela atração da população branca imigrante, com afastamento da preta e parda, e pela expansão de indústria e serviços sobre a agricultura.

Ao analisarem dados coletados entre os censos de 1872 e 1960, os pesquisadores do Insper Naercio Menezes Filho, Bruno Proença e Bruno Komatsu, com seu colega da USP Leandro Anazawa, apuraram quais foram os impactos no letramento da população dos choques positivos de renda propiciados pelas elevações nos preços das mercadorias agrícolas mais exportadas pelo Brasil: café, cana de açúcar, algodão, tabaco e cacau.

Quando uma comunidade é contemplada com ganhos extraordinários, advindos da valorização dos bens que produz e comercializa, pode utilizar esses recursos para elevar a instrução da população, seja porque as famílias disporão de mais renda e inclinação para investir na formação dos filhos, seja porque os governos, mais bem aquinhoados de receitas tributárias, acabarão levados a expandir os serviços de educação pública.

Quadro mostra que, entre 1872 e 1960, o índice de analfabetos na população brasileira caiu de 94% para 47%. No mesmo período, o número de trabalhadores na indústria subiu de 6% para 14%, o de jovens na escola aumentou de 13% para 50%, o da população branca cresceu de 41% para 56%, o da população preta caiu de 20% para 10% e o de população parda diminuiu de 40% para 34%.

 

A fim de testar essa hipótese, os pesquisadores desenvolveram uma variável para captar apenas os efeitos dos choques de preços de exportações. Batizada de vantagem comparativa de preços internacionais (CAIP, na sigla em inglês), ela leva em conta a interação entre os potenciais de produtividade devidos a condições geográficas favoráveis, inerentes a cada uma das 482 localidades e cada um dos principais produtos de exportação, e a variação dos preços internacionais desses produtos, avaliados ao longo do período de 88 anos.

O estudo econométrico indicou que a elevação de um desvio padrão no CAIP – variação relevante do indicador de sensibilidade ao preço internacional — reduz em até 14 pontos percentuais a fatia de analfabetos numa localidade. Esse efeito foi maior em 1872, antes da abolição da escravidão e do advento da República, que em 1960, após tais mudanças.

A análise dos pesquisadores também circunscreveu alguns mecanismos pelos quais o bônus na renda de exportações pode ter impulsionado o avanço da população instruída. Nas regiões beneficiadas pelo choque de preços das exportações, foi menor a proporção de pretos e pardos na população. A atração de imigrantes brancos para essas áreas, com maior grau de instrução e inclinados a demandar educação pública dos governos, e o deslocamento da população não branca são hipóteses que podem explicar o fenômeno.

Além disso, detectaram-se graus superiores de diversificação setorial, com maior participação de indústria e serviços e menor da agricultura, nas localidades beneficiadas pela valorização de suas commodities. A expansão dessas atividades pode ter exigido trabalhadores mais instruídos do que os requeridos para as lides agrícolas.

 

Fonte: Insper Conhecimento