Aos 25 anos, lei coloca o Brasil entre líderes em arbitragem

Evoluções aconteceram acerca das soluções alternativas de resolução de disputas, que se tornaram uma realidade no meio empresarial.

ivo bari1
Ivo Bari, sócio do BVZ Advogados. (Foto: Divulgação)

Quando sócios de uma empresa brigam, ou quando um grande contrato é descumprido, não raro ocorrem disputas que podem prejudicar a previsibilidade dos planos de negócio e da governança corporativa.

Nestas situações, especialistas apontam confidencialidade garantida, análise qualitativa do caso e celeridade na resolução de conflitos como vantagens na escolha da arbitragem como método alternativo à esfera judicial.

Hoje (23), a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) completa 25 anos no Brasil. Neste período, muitas evoluções aconteceram acerca das soluções alternativas de resolução de disputas, que se tornaram uma realidade no meio empresarial. Grandes disputas correm nas quatro paredes das câmaras arbitrais, fora do conhecimento público, preservando a imagem das empresas e dos sócios envolvidos. Mas ainda há desafios.

“A arbitragem no Brasil é um case de sucesso. Atualmente, tanto sob uma perspectiva de quantidade de procedimentos quanto sob uma perspectiva de valores envolvidos, a arbitragem se mostra como um instituto muito relevante na resolução de disputas”, explica o advogado e professor de pós-graduação, Ivo Bari, sócio do BVZ Advogados.

Para o advogado Fernando Breda, do escritório Araúz Advogados, especializado no agronegócio, a evolução da arbitragem no Brasil é algo sem precedentes dentro de um cenário jurídico mundial. “O Brasil saiu de um estado de quase inatividade absoluta da arbitragem no começo da década de 90 para, em alguns anos, se tornar um dos grandes protagonistas da arbitragem comercial internacional”.

fernando breda_page-0001
Fernando Breda, do escritório Araúz Advogados. (Foto: Divulgação)

Ameaças iniciais à arbitragem foram superadas

De acordo com a sócia do BRGC Advogados, especialista em contratos internacionais e no setor de Petróleo e Gás, Marilda Rosado, em uma fase embrionária da arbitragem, discutiu-se uma ameaça fantasma referente à Constituição Federal, cujo inciso XXXV detalha que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. “A matéria foi pacificada integralmente”, explica.

Segundo o advogado Rodrigo Loureiro, responsável pelo Desk França do Briganti Advogados e co-presidente da Comissão Franco-Brasileira da Ordem dos Advogados de Paris, “a declaração de constitucionalidade deste instituto pelo STF, em 2002, alavancou a arbitragem para uma posição de vanguarda, o que foi imperioso para que os meios não convencionais de conflitos judiciais de conflitos se tornassem mais usuais e por conseguinte mais difundidos”.

Rodrigo Loureiro_Desk França (1)Advogado Rodrigo Loureiro, responsável pelo Desk França do Briganti Advogados. (Foto: Divulgação)

Arbitragem para diferentes setores e perfis de empresas

“Por melhor que seja, o fato é que a arbitragem não é uma escolha barata”, conta Ivo Bari. Por isso, o advogado tem recomendado o instituto em contratos que envolvam valores mais significativos e disputas potenciais na casa dos milhões de reais. “Se estamos tratando de contratos e disputas na casa dos milhares, pode haver um impedimento econômico na formulação de pretensões da parte, que, ou não tem recursos para custear o procedimento, ou os custos a serem incorridos não justificam o valor a ser eventualmente obtido, em caso de sucesso na disputa”, contextualiza Bari. Para ele, haveria três tipos de arbitragens ‘na moda’: arbitragem com a administração pública, arbitragem coletiva e arbitragem societária.

A advogada Marilda Rosado destaca a expansão do instituto por novos ‘fronts especializados’. “É o caso de arbitragens na indústria do petróleo e gás, envolvendo não somente a relação entre as partes privadas, mas também os órgãos públicos. Vê-se uma crescente participação de órgãos públicos estaduais e federais, inclusive agências reguladoras nos processos”.

Para o advogado Fernando Breda, “pode-se dizer que nos últimos anos foi consagrada a tendência de que a Administração Pública, direta e indireta, é uma regular usuária da Arbitragem”.

Já no agronegócio, ainda segundo Breda, a arbitragem se apresenta como um fator que pode dinamizar e incrementar ainda mais a cadeia produtiva, otimizando todas as suas operações ao retirar a resolução dos seus litígios do âmbito do Poder Judiciário. Ainda segundo o especialista em contencioso e arbitragem, “setores como Infraestrutura, Comunicações e Direito Societário tem seus conflitos essencialmente resolvidos pela Arbitragem”.

No Centro de Arbitragem e Mediação Brasil-Canadá (CAM CCBC), segundo dados da própria organização, e destacados pela advogada Marilda Rosado, os contratos mais frequentemente submetidos à arbitragem em 2019 foram:

(i)                  Contratos referentes a compra e venda de ações/quotas;

(ii)                Acordos de acionistas e outros contratos de cunho societário;

(iii)               Contratos de construção, principalmente na forma da EPC (sigla em inglês para engenharia, gestão de compra e construção);

Empresas pedem cláusulas arbitrais em contratos

Para que a arbitragem seja uma opção para resolução de disputas, é premissa a inclusão da cláusula arbitral no contrato referido.

Para o advogado Ivo Bari, a confiança do empresário no instituto da arbitragem se retroalimenta à formação de novos negócios. “Os clientes têm boas experiências com a arbitragem, ou têm más experiências no Judiciário, e quando fazem um próximo deal (fusões e aquisições, M&A) pedem a inclusão de cláusulas arbitrais nos contratos. É um movimento que vemos quase diariamente nos nossos casos transacionais”, explica o especialista em resolução de disputas empresariais.

Ações anulatórias de sentença arbitral

Um assunto controverso, contudo, é a possibilidade real de uma parte perdedora na arbitragem buscar a anulação da decisão por meio de uma ação judicial.

“Ela (a ação anulatória de sentença arbitral), evidentemente, não deve atender ao inconformismo da parte perdedora sobre o que ficou decidido, mas estritamente buscar o reconhecimento da nulidade – em havendo uma – para que seja o mérito devolvido à apreciação do Tribunal Arbitral”, diz Marilda Rosado, sócia do BRGC Advogados. Ela ressalta, entretanto, que essas ações não são comuns e vêm na esteira do crescimento exponencial do número de arbitragens.

Segundo o advogado Fernando Breda, do Araúz Advogados, as ações anulatórias de sentença arbitral não sinalizam um retrocesso para a prática arbitral. “A depender do conteúdo da decisão judicial que anula uma sentença arbitral, ela pode ser sim algo positivo para o avanço do instituto no Brasil. Uma sentença arbitral que viole o contraditório, o devido processo legal ou a confidencialidade e seja posteriormente anulada pelo Poder Judiciário, demonstra um salutar envolvimento e contribuição das cortes estatais para o tema e uma evolução para toda a prática arbitral brasileira”, explica Breda, que é presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem da Associação Comercial do Paraná (ARBITAC) e membro da Comissão de Mediação e Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Paraná (OAB/PR).

Marilda Rosado_BRGCMarilda Rosado, sócia do BRGC Advogados. (Foto: Divulgação)

Para Ivo Bari, do BVZ Advogados, as partes precisam ter o direito de requerer a declaração da nulidade da sentença arbitral em determinados casos. “Não há como negar que algumas sentenças e procedimentos têm vícios que inviabilizam a sua validade. A nossa lei é clara, ao delimitar os casos específicos em que são cabíveis essas ações judiciais, sendo certo que, tanto a lei quanto o Judiciário brasileiro, que respeita a arbitragem, não permitem a revisão de mérito das sentenças, que é a proteção mais importante”, explica.

“Podem ser referidas pesquisas feitas em 2016 pela Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial (CAMARB) (18% de anulação) e mais recentemente por uma empresa chamada ARBIPIDIA, que focaliza os últimos cinco  anos e mais especificamente 2019 e 2020 (56 anulações em 292 acórdãos).  No entanto tais números devem ser vistos com cautela, pois há estatísticas anteriores fundamentadas indicando que 90% das decisões são cumpridas voluntariamente”, destaca a advogada Marilda Rosado.

De acordo com o advogado Rodrigo Loureiro, não há como se comparar uma decisão arbitral a uma sentença judicial. As decisões arbitrais são imunes à revisão pelo Judiciário – se não houver alguma nulidade. Não há a possibilidade de se recorrer à segunda ou terceira instâncias. “Quando se reconhece a sua nulidade é porque ocorreu um vício grave no processo, que não deveria ocorrer. Já nas decisões judiciais, a parte que se julga prejudicada tem o direito ao duplo grau de jurisdição”, explica o sócio do Briganti e responsável pelo Desk França, país que sedia a Câmara Internacional de Arbitragem (ICC).

Arbitragem internacional

Para Rodrigo Loureiro, “o Brasil tem reconhecimento internacional como detentor de uma jurisdição amplamente favorável à arbitragem. Na esfera internacional, uma parte não poderia pretender contra seu cocontratante privado estrangeiro a aplicação das categorias jurídicas que se aplicam às relações entre a administração e os particulares da sua nacionalidade”, explica Rodrigo Loureiro. Para o advogado, tanto o Brasil quanto a França são exemplos muito bem-sucedidos do uso da arbitragem como mecanismo de solução de conflitos, especificamente quando se trata de conflitos empresariais internacionais. Ambos os países “se sobressaem figurando na lista dos cinco países com mais partes que aderem à arbitragem – isto na Câmara de Comércio Internacional em Paris”, diz Loureiro.

Apesar da pandemia, não houve registros relevantes acerca de mudanças nas arbitragens internacionais. “Desde o ano passado tivemos diversas experiências com arbitragens internacionais, uma delas sediada em Londres. Apesar do desafio da condução remota das arbitragens, os ingleses se prepararam bem para fazer a migração e tudo se passou a contento”, explica Marilda Rosedo, que tem histórico de atuação em arbitragens internacionais em países europeus.

Competições Moot e jovens arbitralistas

Marilda, do BRGC, lembra que além de uma firme atuação para suporte às arbitragens, as Câmaras CAMARB, CAM CCBC e o Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBar) têm promovido debates e apoiado as iniciativas educacionais, já que muitas Universidades aderiram às Moot Competitions.

“Já se pode falar de uma novíssima geração entre os jovens arbitralistas. Eu mesma participei diversas vezes como árbitra em competições do Brasil e até no exterior. Antes da pandemia, em 2019, a competição final da CAMARB reuniu presencialmente em São Paulo centenas de estudantes e professores de todos o país”.

Em uma competição Moot, estudantes de Direito simulam disputas jurídicas em um tribunal. Trata-se de uma prática recorrente em diversos países, que incluem até mesmo competições internacionais, e permitem o desenvolvimento dos alunos por meio de casos fictícios, mas com todos os procedimentos semelhantes a uma situação real, incluindo sustentação oral, interlocução com juízes ou árbitros, entre outros. Saiba mais.

banner