Reforma Tributária em 2023: PECs em tramitação e perspectivas

Após décadas estagnada, a reformulação da legislação tributária volta a ser pauta central, propondo, principalmente, a unificação e simplificação da cobrança e arrecadação de impostos no Brasil.

Ciro Cesar Soriano de Oliveira - CSO 2Ciro Cesar Soriano de Oliveira, advogado e sócio do Bratax Advogados. (Foto: Divulgação)

A Reforma Tributária, ou seja, a reestruturação e modernização político-econômica da legislação fiscal, é, há quase 30 anos, uma das principais demandas da sociedade brasileira, que cobra um processo de arrecadação mais transparente e assertivo, capaz de estimular o mercado e gerar emprego, renda e riqueza para país. Em 2023, com início do novo Governo, o assunto voltou a protagonizar a agenda política, colocando em pauta propostas para alterar o formato atual de impostos e tributos pagos por contribuintes.

PECs em tramitação

De acordo com Ciro Cesar Soriano de Oliveira, advogado e sócio do Bratax Advogados, embora haja um entendimento quase unânime sobre a necessidade de revisão dessas legislações, na prática, o cenário é mais complexo.

No momento, tramitam no Congresso Nacional duas Propostas de Emenda Constitucional, aPEC45, da Câmara dos Deputados, e aPEC110, do Senado Federal.

Além de referirem-se à tributação sobre o consumo, ambas têm em comum objetivo a simplificação do Sistema Tributário Nacional, unificando o IPI, o PIS, a COFINS, o ICMS e o ISS em apenas um ou dois impostos sobre o consumo, além de um imposto seletivo.

“Se a PEC45 vingar, passaremos a ter o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, de competência da União, Estados e Municípios) e o Imposto Seletivo (IS, de competência da União, cobrado sobre artigos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente). Se for aprovada a PEC110, teremos o IBS e IS e, também, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS, igualmente de competência da União).”, afirma Ciro.

Sendo assim, cinco cobranças seriam substituídas por apenas duas ou três. Contudo, esse é um ponto de divergência entre o Grupo de Trabalho (GT) d parlamentares envolvidos no projeto de Reforma Tributária e governadores . O advogado explica que enquanto o GT defende a unificação de impostos, além do IS, compartilhado entre União, Estados e Municípios, os governadores são favoráveis a uma arrecadação dual, com uma tributação para o governo federal, e outra para os entes regionais.

Nas propostas, tanto para o IBS quanto o CBS, destacam-se os seguintes pontos:

  •  Perda da relevância da definição de mercadoria ou serviço para fins de tributação. A cobrança recairá sobre todas as transações indistintamente e em todas as fases da cadeia;
  • Não havendo dissociação entre o que é mercadoria e serviço, o aproveitamento de créditos sobre o que foi pago na fase anterior se torna mais simples e automático (princípio de não cumulatividade);
  • Com essas características, pretende-se um imposto semelhante ao modelo europeu do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA).

Além disso, o novo imposto, ou novos impostos:

  • Não serão aplicados a exportações, mas são aplicados a importações;
  • Serão cobrados no destino (alíquota e a arrecadação no local de consumo);
  • Não haverá diferenciação de alíquotas;
  • Pretendem manter a carga tributária global sobre o consumo;
  • Continuarão valendo o Simples Nacional e o tratamento favorecido para a Zona Franca de Manaus;
  • Mantêm as vinculações e partilhas constitucionais, como Saúde e Educação; e
  • Contêm regras de transição mais curtas para a sociedade em geral (regime de tributação) e mais longas e suaves para a partilha com estados e municípios (sistema de partilha).

Segundo Ciro, a eliminação dos benefícios tributários específicos foi um dos assuntos mais discutidos neste primeiro semestre, pois integra uma das principais premissas das propostas, que é a uniformização da cobrança para todos os setores. “Uma das críticas recebidas com relação a este assunto é o potencial encarecimento dos produtos de primeira necessidade para a população de baixa renda”.

Como alternativa, o Governo está avaliando a possibilidade de devolução do imposto (cashback) para a população de baixa renda.

Outro assunto que vem sendo discutido diz respeito à repartição das receitas. Os Estados não aceitam que a arrecadação seja centralizada e posteriormente distribuída entre os entes federativos. No entender dos Estados, sua autonomia fica prejudicada com a centralização da arrecadação.

Expectativas e tendências para os próximos meses

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, pretende que o projeto esteja pronto para ser votado em plenário até junho, antes do recesso parlamentar. Em paralelo, o Secretário Especial da Reforma Tributária, o economista Bernardo Appy, acredita que a transição entre o sistema atual e o novo deva se encerrar em meados de 2030 e 2031.

“Esse cronograma depende, entretanto, de que a proposta seja aprovada ainda em 2023, e a lei complementar que a regula em meados de 2024. A se confirmar essa previsão, a transição teria início em 2027”, afirma o sócio do Bratax Advogados.

Um dos pontos de discussão é a definição de quais setores receberão tratamento temporário diferenciado ao longo do período de transição, devido às suas particularidades. Na proposta da PEC 45, estariam inclusos os serviços financeiros, imóveis, combustíveis e aquisições pelo setor público. Na PEC 110, ao invés de serviços financeiros, faz-se menção a intermediação financeira, acrescentando, também, os produtos de tabaco aos demais itens já listados pela PEC 45.

Em meio a toda essa discussão, um ponto importante ainda não está definido: a alíquota. Há entendimentos de que a alíquota efetiva deva ser de 25%. A definição da alíquota efetiva, entretanto, não será imediata. Ciro ressalta que ambas as propostas relegam à lei complementar a disciplina relativa à alíquota. A diferença está em que, pela PEC 110, a alíquota será única em todo o território nacional e pela PEC 45, as alíquotas serão fixadas por cada um dos entes tributantes (União, Estados e Municípios),e a alíquota efetiva será a soma das alíquotas fixadas por cada um deles.

“Não está em debate, por ora, a Reforma Tributária no que diz respeito à tributação da renda e do patrimônio. Espera-se que essa parte seja proposta no segundo semestre, para que possa ser válida já para janeiro de 2024”, comenta.

De qualquer forma, já é possível entender quais são as mudanças pretendidas pelo Governo no que toca à tributação da renda e do patrimônio. Em 2021, o Governo enviou ao Congresso Nacional um Projeto de Lei, que na casa recebeu o número 2337. Ali, o Fisco revelou sua pretensão de promover o retorno da tributação dos dividendos e a extinção do regime de juros sobre o capital próprio.

Ciro pontua, ainda, que esperava-se, também para o segundo semestre, a imposição da tributação de ganhos e rendimentos recebidos por pessoas físicas de fontes situadas no exterior – chamado, comumente, como CFC de pessoas físicas. Ao que parece, entretanto, o novo Governo não trata esse assunto como mais um aspecto da Reforma Tributária, mas como medida necessária para cumprimento das estreitas metas fiscais que têm imposto limites ao cumprimento das promessas de campanha. Tanto assim que editou, recentemente, a Medida Provisória n.º 1.171, de 30 de abril , que ao mesmo tempo em que cria a tributação da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior, aumenta a faixa de isenção da tabela progressiva do imposto de renda. Em outras palavras, aumenta a carga fiscal dos investimentos (poupança realizada) e diminui a tributação do rendimento do trabalho.

Implicações econômicas decorrentes da possível unificação de tributos

O Relatório do Banco Mundial (Subnational Doing Business in Brazil 2021) afirma que as empresas brasileiras gastam cerca de 1.500 horas por ano para cumprir suas obrigações acessórias. Fornecendo um panorama comparativo do que esse empenho de horas significa, a média de horas gastas anualmente nos países do BRICS é de 437 horas; nos países da América Latina e Caribe a média é de 325 horas, e de 155 horas nos países de alta renda da OCDE . Ou seja, para calcular os impostos e manter-se em conformidade com o Fisco, são necessárias, no Brasil, quase quatro vezes mais em horas de trabalho do que nos demais países do BRICS; quase cinco vezes mais do que nos países da América Latina e Caribe; e quase dez vezes mais do que nos países de alta renda listados pela OCDE.

“Não se trata, assim, de uma discussão relativa unicamente à carga tributária, mas ao custo para pagar o imposto corretamente e manter-se em conformidade com a legislação fiscal”, afirma o advogado.

A complexidade da legislação brasileira, uma das razões desse alto custo de compliance, decorre da existência de uma miríade de entes tributantes. Além da União Federal (IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, IPI, IOF e CIDE), do Distrito Federal e dos demais 26 Estados (ICMS e ITBI), há 5.570 Municípios (ISS e IPTU), compondo um total de 5.598 entes tributantes, todos com autonomia legislativa para instituir e regulamentar seus impostos.

Outro componente do custo é a guerra fiscal promovida pelos entes tributantes (Estados contra Estados e municípios contra municípios) na tentativa de atrair investimentos para seus territórios em troca de benefícios fiscais.

Pode parecer um contrassenso falar em custo resultante do benefício fiscal, mas tais benefícios, muitas vezes instituídos de forma irregular, resultam em autuações pelos demais entes sempre que o contribuinte realiza qualquer operação em territórios estaduais divergentes na concessão do benefício”, explica Ciro

Um dos objetivos da Reforma Tributária é, justamente, promover a simplificação do regime, permitindo, com isso, a diminuição de um custo inexistente em outras partes do mundo, que faz com que o Brasil concorra em desvantagem na atração de investimentos externos e coloque em posição, também desvantajosa, os produtos brasileiros que concorrem no mercado internacional.

Além disso, ambas as propostas de Reforma Tributária cortam pela raiz o mal da guerra fiscal, na medida em que adotam o princípio de tributação no destino (efetivo consumo final), acabando com os incentivos concedidos na origem para atração de fábricas ou distribuidores (investimentos em geral) e promovendo a unificação da legislação.

Impactos da proposta na arrecadação

As propostas de Reforma Tributária não pretendem que as mudanças impliquem em aumento da arrecadação. Seu mote, a propósito, é de que as mudanças sejam neutras, dado que o objetivo principal é simplificar a cobrança e a administração do imposto.

A comprovar essas premissas, as duas propostas contêm previsão de legislação única e uniforme para todo o território nacional, além de aumento progressivo da alíquota em substituição à parcela correspondente à diminuição dos atuais tributos.

O que se espera que aconteça, é uma realocação da carga fiscal dentro os diversos setores da economia. De acordo com um estudo elaborado recentemente pelo Banco Santander com 114 empresas de capital aberto de 15 setores a cobrança do IVA a uma alíquota de 25% manteria a carga tributária efetiva, na média, em 9% da receita bruta das empresas, antes e depois da Reforma.
Por fim, o advogado pontua que esse mesmo estudo projeta uma redução da carga para os setores de tecnologia, mídia e telecomunicações, ao passo que setores como os de investimentos imobiliários, instituições financeiras, saúde, educação, mineração, transportes, papel e celulose sofreriam um aumento do ônus fiscal, comprovando, assim, a realocação do impacto dentre os diversos setores da economia.

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