Em mercado gigante no Brasil, compra de aeronave privada exige cuidados jurídicos

Brasil é o segundo maior mercado de aeronaves particulares no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

PixabayEspecialista alerta para cuidados na compra de aeronaves particulares. (Foto: Pixabay)

Alta demanda por compra e venda de aeronaves e falta de componentes e peças são alguns dos fatores que movimentaram o mercado de aviação em 2022, gerando ‘fila’ para novos compradores interessados em ter seus próprios helicópteros e aeronaves de asa fixa.

O Brasil é o segundo maior mercado de aeronaves particulares no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, segundo estudo publicado no último ano pela consultoria Wealth-X. Na percepção de especialistas, esse mercado seguiu aquecido durante o ano.

Na atuação da advogada Roberta F. Leal Andreoli, sócia-fundadora do escritório de Direito Aeronáutico, Regulatório e Infraestrutura Aeroportuária, Leal Andreoli Advogados, 2022 foi o ano com maior demanda jurídica para compra e venda de aeronaves em comparação com os últimos três anos. A experiência dela é compartilhada por diferentes players atuantes setor de aviação, em live dedicada especialmente sobre o assunto, incluindo especialistas em áreas de bancos, trading, laudo técnico, despacho aduaneiro e mais.

Já no escritório Humberto Sanches Advogados, a percepção é de que as operações de compra e venda não apenas de aeronaves, mas também de embarcações, envolvendo ou não estruturas de financiamento, sempre tiveram fluxo constante para atender às necessidades de renovação de frota.

Financiamento de aeronaves

“Nos últimos anos, observamos um aumento no número de operações envolvendo financiamento bancário. Esse aumento pode ser atribuído a alguns fatores, como a boa performance do agronegócio, que impulsionou a compra de aeronaves. Sob a ótica de custo, o financiamento mostra-se especialmente vantajoso na medida em que viabiliza a aquisição do bem de alto valor sem necessidade de descapitalização do adquirente. No contexto da importação da aeronave para o Brasil, o financiamento bancário também tem seu apelo ao eliminar algumas burocracias do processo de importação, conferindo mais celeridade à transação”, explica o sócio-fundador Humberto Sanches, especialista em planejamento patrimonial e sucessório.

Roberta Andreoli percebe que “as instituições financeiras nacionais têm estruturado áreas especializadas em financiamento de aeronaves. Para os bancos internacionais, o desafio é criar produtos de financiamento atrativos para o cliente brasileiro. Por outro lado, apesar do aumento da taxa do Dolár, a instituição financeira internacional pode ter, como ponto forte, a oferta de taxas menores para o crédito a ser concedido em decorrência do financiamento de aeronaves”, relata a advogada.

Design sem nomeRoberta F. Leal Andreoli, sócia-fundadora do escritório de Direito Aeronáutico; Humberto Sanches sócio-fundador do escritório Humberto Sanches e Renata Thomé, advogada e sócia do escritório do Humberto Sanches Advogados. (Foto: Divulgação) 

Cuidados antes da compra

Comprar uma aeronave privada, sem tomar cuidados prévios, pode culminar em problemas para o comprador. Certamente são riscos que podem ser evitados.  Tudo em prol da realização do negócio de forma eficiente e segura.

Após selecionar a aeronave que atenda ao objetivo da compra, com a ajuda de uma assessoria especializada, o cliente precisa determinar a forma de pagamento. Pode ser uma compra e venda direta, um Leasing ou a tomada do crédito com garantia via instituição financeira autorizada.

Segundo Roberta Andreoli, ”caso a aeronave desejada não esteja nacionalizada, o comprador terá que cumprir trâmites com a Receita Federal do Brasil e Banco Central e descobrir a melhor forma de realizar a importação, que poderá ser por meios próprios ou com o auxílio de uma trading, por exemplo. Essa tomada de decisão deve ser realizada a partir de um estudo financeiro comparando possibilidades e observando as normas brasileiras.

Na sequência, se sugere que o comprador seja assistido por um advogado para analisar e preparar toda a documentação e garantir a observação das normas vigentes – da importação -, até o registro da aeronave no Brasil junto ao Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB). Pode ser grave, por exemplo, se o comprador não tiver a documentação comprobatória do fechamento da transação para garantir a transferência da propriedade do bem para o seu nome ou para o nome da instituição financeira, a depender do caso.

Na ausência de tais documentos, deverá haver uma atuação jurídica urgente. Além disso, é fundamental realizar uma pesquisa prévia, chamada de due dilligence, para certificar-se que a compra desejada não está impedida por nenhum gravame a prejudicar o negócio jurídico almejado pelo cliente. Também é necessário atentar para as questões fiscais, porque toda transação tem recolhimento de imposto. Se houver irregularidades neste processo, a autoridade fiscal pode, em última instância, aplicar pena de perdimento da aeronave, além de cobrar multa. Por isso, é altamente recomendado a assessoria especializada do começo ao fim do processo”.

Renata Thomé, advogada e sócia do escritório do Humberto Sanches Advogados, resume os cuidados jurídicos e tributários que entende como fundamentais no momento antes da compra da aeronave. “É muito importante que o contrato de aquisição da aeronave seja cuidadosamente redigido, para que as etapas que antecedem e sucedem o closing da compra e venda corram sem entraves. Especial atenção deve ser dada à inspeção técnica pré-compra, pois é prática de mercado que a responsabilidade por eventuais discrepâncias surgidas após a aceitação técnica da aeronave seja atribuída ao adquirente.

No caso de aquisição da aeronave no exterior, é relevante a contratação de advogados locais especializados, para análise dos tributos incidentes sobre a operação de compra e venda naquele local. Se importada a aeronave para o Brasil, a operação deverá obedecer às regras da modalidade de importação escolhida, com a atribuição correta das responsabilidades entre as partes envolvidas, para que a operação não seja descaracterizada pelo fisco.

Ainda, a estrutura utilizada para aquisição e operação do bem deve ser analisada previamente, em vista de restrições regulatórias e fiscais – estruturas comumente utilizadas no passado foram inviabilizadas em razão de mudanças na legislação, a exemplo das importações temporárias para fins não econômicos e do uso de aeronaves de bandeira estrangeira por residentes no Brasil, ambos sob o benefício do regime de admissão temporária com suspensão de tributos”.

Compartilhamento de aeronaves é opção

Comum há tempos em outros mercados, como Estados Unidos e Europa, o contrato de compartilhamento de aeronaves tem se tornado uma opção cada vez mais recorrente para quem quer usufruir de voos particulares. “Houve nos últimos anos uma mobilização do setor, por conta de a ANAC ter publicado a regulamentação para a propriedade compartilhada de aeronaves. A institucionalização do programa brasileiro de propriedade compartilhada de aeronaves foi aprovado pela Agência em fevereiro de 2021”, explica a advogada Roberta Andreoli, citando o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil 91 (RBAC 91), que determina as regras para compartilhamento de aeronaves.

Esse modelo de negócio permite a utilização de duas ou mais aeronaves, por cotistas, sociedades ou associações de cotistas, que podem ter o direito de uso/posse ou a propriedade de uma cota dessas aeronaves. Isso é possível a partir da contratação de uma empresa que, denominada pela própria ANAC, será a administradora do programa de compartilhamento, dentre outros requisitos regulatórios. “Os cotistas devem celebrar contratos de administração com o Administrador e de troca de aeronave entre si. Podem reservar horas de voo e arcam com um valor periódico e decidido dentro da estrutura jurídica para se utilizarem do transporte aéreo. Então, dividem os custos, tornando-os mais acessíveis para cada cotista", explica Roberta Andreoli.

A advogada Renata Thomé reforça que tem observado um aumento no número de operações envolvendo o compartilhamento de aeronaves. “Essas estruturas têm se mostrado favoráveis para aqueles que não desejam arcar com o custo integral de administração e manutenção do bem, ou nos casos em que, por questões particulares que podem envolver o local de residência do proprietário, a importação definitiva de uma aeronave para determinada localidade não seja interessante. Nesses modelos, compra-se uma fração da aeronave, que funciona como um título de clube. O proprietário da fração ganha o direito de utilizar as aeronaves da frota, arcando com o custo dos voos que realizar, sem que seja diretamente responsável por lidar com questões regulatórias e fiscais relacionadas ao uso do bem”.

Planejamento patrimonial e aviação

O advogado Humberto Sanches destaca ainda a importância do planejamento patrimonial e sucessório com foco na aviação executiva, considerando aeronaves particulares que atendem determinada pessoa física e sua família.

Nesse contexto, o planejamento patrimonial é relevante para definir a estrutura de aquisição e operação da aeronave, principalmente sob a ótica fiscal e regulatória, alinhando esses aspectos com a forma em que o patrimônio do cliente está estruturado e os diversos fatores que influenciam no uso da aeronave (a exemplo do local de residência da família e seus principais centros de interesse).

“A estrutura patrimonial deve estar ajustada ao planejamento sucessório do cliente, na medida em que é importante fixar de antemão a destinação do bem aos herdeiros. Nessa linha, é comum, inclusive, que se estabeleçam regras para o uso compartilhado e a divisão de custos da aeronave entre os membros da família, após o evento de falecimento do principal usuário, ou até mesmo a venda do bem”, explica o advogado Humberto Sanches.

Aviação tecnológica

Segundo Roberta Andreoli, que atua em casos de direito aeronáutico e regulatório envolvendo drones e evtols, “as estruturas atuais de financiamento de aeronaves podem, em breve, ser utilizadas também para viabilizar transações no mercado de aviação com inovação tecnológica, incluindo drones e evtol, que são as aeronaves elétricas de pouso e decolagem vertical para transporte de pessoas. Destaco especialmente que a demanda por evtols deve crescer exponencialmente nos próximos anos, com operação inicial prevista para 2026, e precisa estar no radar das instituições financeiras”.

Fabricantes e operadores nacionais de drones, por exemplo, já atuam em delivery com o uso das aeronaves não tripuladas. A startup Speedbird Aero, que atende empresas como iFood e BRF, atuou em caso que viralizou durante o Mundial de futebol, quando um drone entregou o pedido do youtuber Casemiro durante uma live. “Mas o uso do drone vai além e pode ser aplicado para cargas, na agricultura, para inspeção e muito mais. São aeronaves com valor econômico relevante e poderiam ser ainda mais acessadas se aplicarmos as estruturas de financiamento de helicópteros e aeronaves de asa fixa também para os nos drones”.

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